O stress em pessoas que trabalham na área de relações humanas tem sido alvo de estudos de profissionais que se preocupam com a qualidade de vida e com o modo de se lidar com essa questão.
O stress pode ser visto como resultado direto da relação da pessoa com o seu meio ambiente, e pode tomar diferentes formas para diferentes pessoas.
Os líderes religiosos não estão isentos das pressões do cotidiano e diversos autores têm discutido questões que envolvem a saúde física e emocional desses líderes e a sua relação com o stress.
O objetivo desta pesquisa foi compreender as possíveis conseqüências do modo de viver do ministro religioso nas diversas áreas de sua vida, seja profissional, pessoal, familiar.
Para tal, com a colaboração de doze pastores de igrejas históricas, independente de idade, tempo de ministério ou denominação religiosa, realizaram-se entrevistas dirigidas acompanhadas de um questionário.
As respostas demonstraram marcantes similaridades entre os aspectos que os pastores consideraram estressores em suas vidas, tais como a solidão, a dificuldade para lidar com conflitos, a qualificação profissional insuficiente, dentre outros.
O estudo não pretende ser conclusivo. Contudo, espera-se que as reflexões geradas sejam de utilidade para a vida pessoal de pastores, seminaristas, dirigentes de escolas teológicas e demais interessados no tema.
O que é STRESS?
“Uma relação particular entre uma pessoa, seu ambiente e as circunstâncias às quais está submetida, que é avaliada pela pessoa como uma ameaça ou algo que exige dela mais que suas próprias habilidades ou recursos e que põe em perigo o seu bem-estar”. (França, 1996)
Essa relação é, portanto uma resposta do organismo. As reações são adequadas à demanda e independem de controle: a amígdala (situada acima do tronco cerebral) envia ao córtex cerebral ordem de despejar hormônio do stress no organismo.
STRESS BOM = EUSTRESS (atividades prazerosas: cansaço e recuperação)
STRESS MAU= DISTRESS (reações prolongadas demais, inadequadas, gerando doenças)
SAG – Síndrome da Adaptação Geral: é um conjunto de alterações que estimulam as defesas orgânicas e que ocorrem durante o tempo em que duram os agentes estressores.
Exemplos:
• Liberação de cortisona das glândulas supra-renais (para proteção, mas com stress crônico destrói a resistência orgânica).
• Taquicardia (bombeia mais sangue para músculos e pulmões, mas no stress crônico causa pressão alta, ataque cardíaco, etc.
FASES DO STRESS
1) Reação de alarme: é a adaptação natural dos seres vivos, ainda que possa ser exagerada. O retorno à homeostase é relativamente rápido. Sintomas: taquicardia, sudorese, esgotamento, tensão muscular.
2) Fase de resistência: prolongamento da reação de alarme. Sintomas: dor de cabeça, perturbações do sono, medo, nervosismo, apetite oscilante, ranger de dentes, queda de cabelo, roer unhas, isolamento social, impotência sexual temporária.
3) Fase de quase exaustão: o organismo não consegue mais resistir ou adaptar-se e há um colapso gradual. Sintomas: cansaço mental, concentração difícil, perda de memória imediata, apatia, herpes, diminuição da libido, gastrite, úlcera. A pessoa ainda consegue trabalhar, com uma vida relativamente normal, mas com muito esforço e intercalando com momentos de total desconforto ( a chamada gangorra emocional).
4) Fase de exaustão: os sintomas são específicos da doença que vier a se instalar, não consegue trabalhar, tem decisões impensadas, depressão. Pode levar à morte.
DEPRESSÃO
Segundo Hart, a depressão é considerada como um risco vocacional para os ministros religiosos, devido as altas expectativas que acompanham o ministério religioso. Contudo prevalece ainda uma boa dose de desinformação sobre o processo dessa doença.
”Cristãos não estão sujeitos à depressão, ou depressão é conseqüência do pecado”, são conceitos ainda vigentes em algumas comunidades.
Na depressão, a serotonina, que é um neurotransmissor, é recaptada pelo organismo, como numa eclusa (represa ), então os anti-depressivos têm a função de inibir essa recaptação e não são “calmantes” como popularmente se supõe. O tratamento da depressão exige acompanhamento médico e psicológico.
STRESS x BURNOUT
Alguns autores consideram que o termo stress se refere a sintomas físicos e burnout a sintomas emocionais, mas de uma maneira geral, burnout e stress têm como causa a má adaptação a um trabalho com grande carga tensional. No burnout a pessoa se sente como se “extinguindo”.
BURNOUT
1 - Desligamento de atividades
2 - Emoções embotadas
3 - Danos emocionais primário
4 - Afeta a motivação
5 - Produz desmoralização
6 - Sensação de perda de ideais e esperança
7 - Perda de ideais e esperança
8 - Sensação de impotência e desesperança
9 - Paranóia, despersonalização,
desligamento
10 - Não mata, mas torna a vida sem valor
STRESS
1 - Hiperatividade
2 - Emoções superativadas
2 - Emoções superativadas
3 - Danos físicos primários
4 - Afeta a energia fisica
5 - Produz desintegração
6 - Sensação de perda de combustível energia
7 - Depressão causada pela falta de
energia física
8 - Senso de urgência e hiperatividade
9 - Pânico, fobia, ansiedade
10 - Pode matar prematuramente
QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO
Indicadores da OMS (Sampaio, 1999)
• Saúde física
• Saúde psicológica
• Nível de independência
• Relações sociais
• Meio ambiente
Penosidade – O trabalho é considerado penoso quando há sofrimento físico e mental, seja simultâneo ou não.
O stress relacionado ao trabalho apresenta situações com ameaças ambientais, falta de realização pessoal/profissional, com prejuízo de saúde física ou mental decorrente de demandas excessivas ao trabalhador, ou quando este não se sente com recursos adequados para enfrentar as situações.
ENFRENTAMENTO DO STRESS – COPING
O enfrentamento ou coping (lidar com) depende de como o indivíduo administra os fatores aos quais é submetido. Para isso há um esforço cognitivo e comportamental em constante mudança no intuito de controlar a situação.
Coping é diferente de reação de stress: no primeiro a ação passa por avaliação cognitiva, elaborando estratégias para lidar com o stress. Ex.: descanso semanal, férias, lazer em geral - são atividades planejadas.
A reação de stress – independe de nossa vontade, é comandada pelo sistema límbico como conseqüência de um fator estressor. Na reação de luta ou fuga há a adaptação necessária automaticamente.
DIREÇÃO ESPIRITUAL
Está diretamente ligada ao tema do coping – a pessoa sob orientação de um diretor espiritual lida melhor com o stress.
Peterson (2000): orientação espiritual se dá quando duas pessoas se dispõem a gastar tempo para entender o que Deus está fazendo na sua vida, numa relação que nenhum livro ou fita cassete pode oferecer.
Objetivo da D.E. – entender em que situação está sua fé com relação ao julgamento e à graça através de atividades como:
• Ensinar a orar
• Ajudar a discernir a presença de Deus bem no centro de sua vida
• Compartilhar a busca da luz através da escuridão da peregrinação
• Guiar a formação de auto-entendimento que seja bíblico e espiritual e não meramente psicológico ou sociológico. (Peterson,2000)
• Compartilhar a busca da luz através da escuridão da peregrinação
• Guiar a formação de auto-entendimento que seja bíblico e espiritual e não meramente psicológico ou sociológico. (Peterson,2000)
“Todos deveriam conhecer esta verdade: ninguém é dotado de tanta prudência e sabedoria que seja apto a guiar sua própria vida espiritual. O amor próprio é um guia cego e engana muitos. A luz de nosso próprio julgamento é fraca e não podemos divisar todos os perigos ou ciladas e erros aos quais estamos propensos na vida do espírito”. (Peterson, Um pastor segundo o coração de Deus, Textus, 2000, pg 153).
APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
CARACTERIZAÇÃO DOS PASTORES:
Foram utilizados 12 pastores de igrejas históricas de diferentes localidades do país, independente do tipo de dedicação (parcial/integral), tempo de ministério e idade.
Características:
• Idade: 24 a 75 anos
• Estado civil: 11 casados, 1 solteiro
• Tempo de ministério: 1 licenciado, 1 jubilado e os outros entre 8 e 25 anos de ministério.
• Tipo de ministério: 2 com tempo parcial (prof. Seminário e igreja local), 8 em tempo integral, 1 licenciado e 1 jubilado.
Questionário da pesquisa ( 10 questões):
Aspectos Psicossociais – questões de número 1 a 5.
Dificuldades no exercício da Profissão – questões 6 e 7.
Qualificação profissional (grau de adequação) – questões 8 a 10.
A fim de caracterizar a amostra da qual foram coletados os dados desta pesquisa, a análise das respostas foi conduzida de maneira a identificar, a partir da perspectiva do sujeito, se há stress nas atividades pastorais. Para tal, foram consideras as seguintes questões:
1 -Tipo de motivação para o pastorado – Quais os motivos?
Há motivações internas como experiências com Deus e externas, como influência de familiares e líderes.
Predominam como fontes de motivo para o pastorado, experiências fortes com Deus na adolescência e juventude, marcando predominantemente um campo na relação pessoal com Deus.
Também é considerado significativo o número de respostas cuja motivação é de caráter externo como: influência da família, envolvimento pessoal nos trabalhos da igreja e influência da liderança a igreja, combinando ainda motivos internos com externos (família e experiência pessoal).
2 - Qualidade de relacionamento com pares e colegas de trabalho – Como eles se relacionam com a liderança da igreja e seus colegas de ministério?
Predominam dois tipos de relacionamento: um é superficial, marcado pela presença de sentimentos negativos ( excesso de formalidade, competitividade, superficialidade, desconfiança, luta pelo poder) e o outro é um relacionamento considerado bom, marcado também por sentimentos negativos.
3 - Qualidade do relacionamento com familiares – A família se envolve com o ministério?
A relação com familiares é boa, procurando não envolver a família nos problemas da igreja.
Isto pode ser observado em frases como “Não me abro em casa, para preservar a família dos problemas”; “Sinto que gostaria de ter mais tempo para a família”.
4 - Qualidade do lazer – É importante? Há lazer de forma sistematizada?
Aparece, mais acentuadamente, a ausência de lazer ou lazer insuficiente, com dificuldades de sistematizar essa área da vida. Frases usadas pelos entrevistados: “gostaria de ter tempo para jogar futebol, fazer caminhadas com a esposa”.
5 - Saúde – Como é a situação no aspecto geral?
O comprometimento de saúde física ou psicológica é o que predomina. Frases como “Tenho problemas com a coluna”; “Sou hipertenso” e “Tive depressão” foram comuns. Apenas um entrevistado declarou não ter problemas com a saúde.
6 - Fatores estressores na vida pessoal – Do ponto de vista do entrevistado quais as causas do seu stress?
- falta de privacidade e tempo para família com sentimento de culpa por esse último;
- falta de tempo para si;
- isolamento;
- pressão econômica;
- doença crônica familiares/esposa;
- dificuldades em planejar atividades, não conseguir planejar o tempo.
7 - Fatores estressores na vida ministerial – Quais são os fatores?
- solidão;
- falta de ser pastoreado e de ter amizades profundas e significativas;
- estar disponível 24 horas por dia;
- fragmentação de atividades;
- dificuldade para lidar com pessoas por não ter recebido conhecimento suficiente nas instituições formadoras;sensação de estar sempre sendo observado;
- medo de se expor; expectativas de santidade do clero, tanto da comunidade quanto da sociedade; competitividade; disputas pelo poder; burocracia inibidora; administração eclesial.
8 - Grau de adequação na qualificação – O seminário prepara para a realidade das igrejas? Sente-se preparado para o ministério em sua totalidade?
Predomina a resposta negativa. Os que responderam haver um preparo parcial acham que há muita ênfase na teoria, um academicismo exagerado, não havendo visão da realidade das igrejas.
9 - Quais as dificuldades nos seminários hoje?
- Não há um trabalho anterior com os candidatos. Muitos são enviados sem conhecerem suas próprias motivações (vocação equivocada);
- Não são trabalhadas as questões emocionais do candidato;
- Relação com tutor superficial, muito aquém do ideal;
- Não há bom clima emocional nos seminários;
- Não há prática espiritual;
- Há um desequilíbrio entre teoria e prática e o conhecimento bíblico ministrado não tem garantido bons relacionamentos entre pastor/ministério/vida pessoal;
- Alunos saem extremamente autoritários;
- Professores frustrados com pastorado ministrando a futuros pastores passam uma imagem negativa do ministério;
- Remuneração dos professores aquém das necessidades;
- Forma pastores doentes que podem ministrar para igrejas doentes;
- Nos moldes atuais o seminário de tempo integral forma pastores que não sabem administrar seu tempo.
10 - O que falta nos seminários hoje? O que poderia ser mudado, incluído?
- Falta ênfase em vivência de aconselhamento;
- Falta uma força tarefa entre seminário, presbitério, igreja local, tutor e aluno, oferecendo maior visão do campo de trabalho, seja evangelismo, missões, educação cristã ou outro;
- Falta consciência do sofrimento inerente ao pastorado. (A Bíblia, no livro de Isaías traz textos que apontam para um servo que vem para sofrer).
- Preparar melhor o candidato antes de enviar ao seminário através de testes de dons, conhecimento de si mesmo e suas motivações;
- Vida de oração;
- Gastar mais tempo em conversa e aconselhamento entre tutor e tutorado;
- Professores que busquem a melhor conversa, o melhor ambiente na teoria e na prática;
- Definir metas, pois do modo como são atualmente os seminários, não formam nem o teólogo nem o pastor, apenas técnicos nas Escrituras Sagradas;
- Mestres que conheçam a vida comunitária e seu coração;
- Levar o aluno a conhecer a fundo o comportamento humano através de um bom conhecimento de psicologia;
- Maior conhecimento bíblico integrado com a prática pois a bíblia trata do relacionamento de Deus com o ser humano e do relacionamento entre os seres humanos, logo, conhecimento bíblico que não provoca relacionamento é falso;
- Fundir teologia acadêmica e teologia pastoral.
Conseqüências para a igreja local
Este texto não fez parte da pesquisa, mas observei que ao mesmo tempo em que a pesquisa ia se desenvolvendo, algumas pessoas ou grupos também se ocupavam com o tema, ainda que de um outro ângulo.
Artigos e livros produzidos por profissionais da área de psicologia ou pastores, juntaram-se à ação de dirigentes de seminários numa dinâmica, sobre a qual talvez Jung, em sua teoria da sincronicidade, tivesse algo a dizer.
Como cristã, tenho visto a providência divina em muitas áreas de atuação do povo de Deus, mas o certo é que muitas coisas estão sendo feitas, no sentido de tratar a questão do stress no ministério religioso.
Em entrevista com Reverendo Adão Carlos (diretor do SPS em Campinas SP desde janeiro de 2002), ele revelou que em conseqüência de observações ao longo de seu ministério, vem implantando naquela instituição mudanças significativas no sentido de sanar alguns problemas.
Na sua opinião, quando um pastor não lida corretamente com as dificuldades, a igreja sofre:
• Insegurança – o rebanho fica inseguro.
• Desorientação – Não há sinalização quanto ao caminho a ser seguido.
• Divisão interna – nos conflitos, as pessoas tendem a se posicionar ao lado do pastor ou de seus desafetos.
• Inimizade – em decorrência do posicionamento no item anterior.
Geralmente a crise provoca a saída do pastor ou pode ocorrer divisão da igreja.
Tendo em vista essas observações, as mudanças visam preparar melhor o aluno para o trabalho em campo, através de:
• Estágios desde o segundo ano em igreja local, em capelania de hospitais através de convênios com Hosp. Samaritano e Unicamp, com acompanhamento do capelão e em instituições sociais.
• Reuniões simuladas de Conselho e Presbitério.
• Testes psicológicos na admissão do candidato e a partir do qual se desenvolve um trabalho de orientação e acompanhamento pelo tempo que for necessário.
• Encaminhamento a psicólogo dos casos em que há necessidade.
• Encaminhamento a psicólogo dos casos em que há necessidade.
“O ser humano é capaz de adaptar-se ao meio ambiente desfavorável, mas esta adaptação não acontece impunemente”. Lennart Levy
FONTE DE INFORMAÇÕES:
Escrito em abril/2002 ao Centro Presbiteriano de Pós Graduação Andrew Jumper, Instituto Mackenzie, São Paulo (SP), sob orientação de Calvino Camargo.
Site: http://www.cppc.org.br/
Excelentíssimo. Realmente eu precisava ler esse texto.
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